quinta-feira, 27 de março de 2014

ISIS pensa e repensa a escrita, depois de ler O LIVRO DO DESASSOSSEGO... 
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir
Bernardo Soares

Abro o teu livro e deixo-me levar pelo bailado dos teus pensamentos. São já meus e eu não sei onde começam as tuas ideias ou terminam as minhas. Sei que me imagino ao sol, lendo e relendo o que escrevo e nem reconheço como meu ou teu. Somos nós.
Há um mundo de imagens onde me perco, não são abstratas, são tão reais como se fossem apenas sensações. Talvez seja tempo de me esforçar por ver apenas o que há em mim que seja verdadeiramente meu. Nada, nada que existe em mim o é. Acredita que a contradição me persegue há muito. Copio a tua frase para que outros me entendam: "O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios"
Escrevo, triste, num quarto que nem sei se existe. Sozinha, como sempre tenho sido quando quero estar sozinha.
E dou comigo a pensar se a minha voz é apenas a minha voz, ainda que aparentemente tão só seja esta minha voz. Poderá ser a minha voz a substância de milhares de vozes, a fome "a dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios"
E dou comigo a sentir, naquela parte de mim que quero acreditar seja mesmo eu, uma força enigmática que me quer ligada a um clamor que tanto pode ser uma oração cristã, uma meditação budista, um grito celta, ou uma qualquer força xamânica .
E dou comigo a assistir ao meu próprio sono. Não há café, nem cigarro. De que me serve interpelar a vida para tentar explicar se o que sinto faz parte da minha alma ou da minha matéria, se são ossos do ofício ou antes a substância espiritual da minha vida?
Só sei que não é nem sonho, nem realidade, talvez uma mistura de sonho e vida, onde desassossegadamente cumprimos no traje do dia a dia rituais de labor com que desejamos erguer cidades.

Ah, se existissem essas ilhas que dão sossego aos crentes!
Dói não o ser, e dói ser consciente de que 

"Não é com ilhas do fim do mundo, 
Nem com palmares de sonho ou não, 
Que cura a alma seu mal profundo, 
Que o bem nos entra no coração. 
É em nós que é tudo. É ali, ali, 
Que a vida é jovem e o amor sorri. 

© FERNANDO PESSOA 
20-8-1933

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