domingo, 2 de novembro de 2014

O crepúsculo desceu, nem dia nem noite;
Muitos partiram para o país de verão
Ficaram os filhos da terra
Anunciando o ano novo ancestral.
Aqui nas brumas do sul
Saudamos a deusa-mãe
Senhora maior do nosso peito.
Vem, amiga, vem sentar-te no círculo,
Traz a tua sabedoria:
Ser mulher, mãe, filha,
Amante ou guardiã do tempo;
Senhora de grande coração,
Tu, que apaziguas as dores,
Desde o princípio dos tempos
Vem ser quem és na verdade.
Serás feiticeira por uma noite
Celebrando a mãe natureza
Que nos protege as colheitas.
Beberás dos vinhos nupciais
Neste crepuscular Samhaim,
Silvos e gnomos virão
Abençoar o lugar.
Aqui, Héstia acenderá o fogo;
a deusa ansiã curvar-se-á 
à compaixão de Kuan Yin
que escuta os gritos do mundo,
E cada mulher saudará
no silêncio da noite 
a eterna perséfone que 
aguarda o próximo renascimento.
Inclinemo-nos sob o fogo sagrado,
Guerreiras de uma época hóstil,
Façamos do nosso silêncio
Um lugar de peregrinação e culto.
Tranformemo-nos:
Quem espera na alvorada
Pela deusa da manhã
Sabe que a erma noite
Foi conselheira sagrada.

ISIS, 25 de Outubro de 2014

sábado, 5 de julho de 2014

É NOITE... PARA QUE SERVEM OS RELÓGIOS!




O tempo voa...
E a clepsidra regista
Minuto a minuto
A voragem dos meus nervos.

Não se medem as emoções
Num tic tac...
Ouço o pulsar do teu coração:
Apressa-se o amor
Num descompasso
Da tua respiração.

O relógio marcou 
A hora da boda:
Celebremos a vida...
Vai começar a dança
na caixinha chinesa.

E os teus passos aligeiram a música
E eu paro,
e espero que acertes o passo


pelo meu relógio.
A melodia é triste,
a hora é de meditação
e as emoções estão em sintonia.

Traçaste a tinta da china
O retrato do mundo,
Essa população anónima...
ou talvez não!

Não esperes dos outros
o que não te podem dar,
caminha, lado a lado,
busca a tua vitória interior...
E com ela, veloz,
cavalgarás no corcel destemido.

Escuta, a melodia prende-nos
Na sua teia de sorrisos, olhares,
Sim, esses que colhes a cada esquina,
Enquanto te esqueces de ti.

Olha a lua altaneira, vai crescendo,
Vestida de prata, anunciando a dança
Que os astros comandam, lá do alto.

E aqui, pairam os teus silêncios,
Recortados na praça deserta,
onde os poetas vão beber,
as inquietações do mundo.

terça-feira, 1 de julho de 2014

Raridades me dás a beber
No silêncio da noite
E tacteio por entre folhas imóveis
Que não volto a ler.

Antes murchassem as rosas no meu peito
E partiria, vagueando, na alvorada.
Se uma taça de vinho me saciasse,
Mergulharia na  ânfora licorosa

Vem solstício de verão
Aquece a dor
Suaviza o coração
Dá-me mimos, habita-me.

Tu, crueldade, que me destróis
A pele, rasgas-me a voz
Quando o peito me pede um doce canto
Que faço  à tortura?
Despeço-me das horas tristes

Não me deixarei vencer
pela soberba torre.
E tu, que me ofereceste a taça,
onde estás?

Isis,  depois de ler  Omar Kayam
Gramática sensorial

Soergueu-a.
Tocou-a.
 Chegou-se mais a ela.
 Sabia que só a teria 
se a possuísse até ao infinito, 
em todos os tons 
e pensou que se a despisse  
de velhos conceitos, 
ela voltaria aos ancestrais tempos, 
onde fora rainha 
na casa de Salomão.
Hoje, servil e abusada, 
tem de ser resgatada 
à  perfeita musicalidade.
 dos corpos.
Domá-la-ia a cada instante, 
passou-lhe os dedos pelo dorso, 
inventou-lhe paladares novos, 
para sobrevoar 
e novos recortes  encontrar.

. Amar-te é reviver-te por dentro. Sorris. Sabes seduzir-me. Afagas-me criativamente. Escrevo-te, re-escrevo-te, para me conhecer. Em ti sonho-me diferente
Na lonjura das palavras...


Escolho a mesa ao canto.
O sol, intenso, mirava-se no meu livro,
o teu Crisol.
Para te ler, roubo-te as palavras,
 invento-lhes novos sentidos.
Perdoa-me.
Uma ogiva desenhava-se na página iluminada,
 onde as tuas palavras se estendiam
como cristais em mapas de alabastro.
Descobrindo o teu texto,
vejo nascer o meu,
refeito nas pautas da tua lira.

 Cantando deslizam ,
 na folha franca do meu texto
as tuas melodias.

Quem são esses poetas que ousas nomear?
Os poetas malditos...
Que  trazem nos olhos as dores do mundo...
Viveram a loucura das seivas inflamadas
no vai-e-vem das marés,
Na partitura da onda espraiada.

Deposito  palavras à beira terra,
 na folha em branco
entre linhas que não escrevo.
Apenas penso.
Deponho as mais belas
que roubei aos poetas malditos
que exclamam quando atravesso
a Jerusalém do teu poema:
Eis-nos,  sílex que buscas.

E no outro lado da página,
Na "terra do poema",
há ruelas antigas registadas em diários
depositados no fundo de uma cómoda,
ansiosa por resgatar secretos martírios
 das almas abandonadas.

Que ânsia longe chora agora
o indizível que cravado no peito fica
quando no olhar me deixas
toda a ternura que te não posso dar.
Não esperes nunca nada.
 Já não há "mel na terra".
Saltam palavras de página em página
 desta "Safra" poética
que empilhei na mesa ao lado
 porque os mestres da palavra
 lançam vozes adamantinas
sobre  o meu sonho
para adestrar o que já não sou
e nunca serei.

Palavras, prefiro-vos violentas às golfadas,
não de fácil pensamento,
mas de vinhos acres, não deleitosos.

Lei-vos demais, ó poetas malditos!
Apenas sei que
permaneci no teu Crisol .
Retiro-lhe a gema, o magma 
e de Sírius descem estrelas.

 Ah, pudesse eu desvendar
o mistério maior da vida.
Quantas mortes, quantas  vidas...
 neste galope desenfreado
que habitamos!

Eu sou o vocábulo que te inscreve
na voz do verbo "silene" de constelações.
Venha o sol, venha a dança, em rios de fogo
Que a luz pulse planetária
 para que se inventem novos códigos.

Sacrifiquem-se inocentes palavras
às aras votivas do deus lar
e farei dessas palavras uma roda viva
de chama violeta
para que o mundo prossiga

em sua legítima defesa.

Isis  responde ao CRISOL de Ana Pinto

segunda-feira, 30 de junho de 2014

Quem disse que a melodia chegou ao fim...

Não estranhes  a cor do céu
Nada te dê preocupação
Abandona a cota de malha
Abdica dos desejos terrestres
Sê rei de ti próprio nesta batalha

Não talhes a tua vida
No compasso vazio
Dança com a poesia
Busca a beleza em cada olhar
Escuta os címbalos
Que  comandam a vida
Depois... é Orfeu que te prende
À antiga sabedoria
E o filósofo crê na palavra,
Ganha a eternidade.


Resposta ao amigo de ISIS
LITHOS


São páginas e páginas que guardas
Na antecâmara dos segredos
Nesse corredor invisível
Onde os deuses moldam o barro
De que és feito, homem.

Sê mestre da tua obra,
Na simetria do lugar,
Nas malhas do tempo
Por entre raízes e ramos
Ergue o mundo.

Constrói o palácio,
Talhado pela tua mão,
Planta as tuas Rosas,
Sê uno com o Verso.

O universo é a verdade!

Lendo GEO METRIA de Samuel Pimenta
O verbo primordial

És tu que o guardas como Prometeu o fogo
A palavra é silex veloz, sangue novo
Roubado aos Deuses e trazido à terra.
Derrama, sim, o magma de ninguém
Que a todos pertence.

É na prosa ígnea que a roda dentada
Equaciona a tua passagem pela terra,
Aqui aprendeste a nascer a cada golpe
Mapeado pela hermenêutica celestial.

Eis-nos, aqui, ao sabor de zéfiro,
Ele que nos devolve à estrela-mãe
Que nos acorrenta às tertúlias   vazias
E nos afasta da verdadeira geometria

Quando o azimute está nas nossas mãos...

Em diálogo com "O verbo de ninguém" de Jorge Ferro Rosa

No vértice de um olhar
Há esculturas, tempos indizíveis.
Sabe-me a terra este silêncio de prazeres
Que me fere a carne de arritmias.

Há, poder ser a ceifeira e o gato,
Não sofrer  a humilhação da recusa
Inconsciente que no vítrio olhar adivinho.

Descer à tua razão, entender  que
a labareda rubra que me consome
é pedra corrosiva num ser de alabastro
que a meu lado se extingue.

Em resposta  ao teu poema...
no entardecer deste mês de junho.


domingo, 29 de junho de 2014

Para ti que choras na estrada

O canto mavioso e fresco
Roubou-me a razão,
Não há vazio,  só emoção
Na mesa das amoras derramadas
No estendal da vida.

Porque caminhas, errante ser,
Entre o nada e a saudade.
Que sabes tu das dores
Quando os pés gretados
Correm atrás do cervo do monte.

O que vale um desdém,
Na curva do tempo,
 se  caminhas de venda nos olhos .

Escuta, há cânticos na noite:
A madrugada acolhe os soluços
A noite adormeceu.

Silves, 29 de Junho de 2014 - 23.23h


 ISIS

quinta-feira, 27 de março de 2014

ISIS pensa e repensa a escrita, depois de ler O LIVRO DO DESASSOSSEGO... 
Se escrevo o que sinto é porque assim diminuo a febre de sentir
Bernardo Soares

Abro o teu livro e deixo-me levar pelo bailado dos teus pensamentos. São já meus e eu não sei onde começam as tuas ideias ou terminam as minhas. Sei que me imagino ao sol, lendo e relendo o que escrevo e nem reconheço como meu ou teu. Somos nós.
Há um mundo de imagens onde me perco, não são abstratas, são tão reais como se fossem apenas sensações. Talvez seja tempo de me esforçar por ver apenas o que há em mim que seja verdadeiramente meu. Nada, nada que existe em mim o é. Acredita que a contradição me persegue há muito. Copio a tua frase para que outros me entendam: "O único modo de estarmos de acordo com a vida é estarmos em desacordo com nós próprios"
Escrevo, triste, num quarto que nem sei se existe. Sozinha, como sempre tenho sido quando quero estar sozinha.
E dou comigo a pensar se a minha voz é apenas a minha voz, ainda que aparentemente tão só seja esta minha voz. Poderá ser a minha voz a substância de milhares de vozes, a fome "a dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios"
E dou comigo a sentir, naquela parte de mim que quero acreditar seja mesmo eu, uma força enigmática que me quer ligada a um clamor que tanto pode ser uma oração cristã, uma meditação budista, um grito celta, ou uma qualquer força xamânica .
E dou comigo a assistir ao meu próprio sono. Não há café, nem cigarro. De que me serve interpelar a vida para tentar explicar se o que sinto faz parte da minha alma ou da minha matéria, se são ossos do ofício ou antes a substância espiritual da minha vida?
Só sei que não é nem sonho, nem realidade, talvez uma mistura de sonho e vida, onde desassossegadamente cumprimos no traje do dia a dia rituais de labor com que desejamos erguer cidades.

Ah, se existissem essas ilhas que dão sossego aos crentes!
Dói não o ser, e dói ser consciente de que 

"Não é com ilhas do fim do mundo, 
Nem com palmares de sonho ou não, 
Que cura a alma seu mal profundo, 
Que o bem nos entra no coração. 
É em nós que é tudo. É ali, ali, 
Que a vida é jovem e o amor sorri. 

© FERNANDO PESSOA 
20-8-1933

sexta-feira, 14 de março de 2014

Eis-nos no palácio  sagrado
Lugar segredo
Onde a queda se fez homem.

-Ó Grande voz,
Ergue-te,
Estremece o sono
Deste mundo que dorme.

- Saberás de mim...
Quando chegar o dia
Tu entenderás as águas
Porque  o rio está em toda a parte.
Ele é nascente,
é foz,
é catarata,
glaciar,
ribeirinho ou oceano.
Ele é a neptuna voz ancestral
e tu
o barqueiro iludido!

-Ó meu segredo bem guardado,
Acode aos exilados
Que entoam cantos
Na diáspora da amargura.


                                                                       ÍSIS, 10.03.2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

fragmentos  de uma experiência
quando a noite desce sobre o álcool que te devora
brinquedos que eu manejo como setas
joguetes com que dedilho as veias de uma cítara
em arabismos que me torturam;
                                      BASTA
do amor,  poesia não quero
resta-me  destruição, ausência

Quero
 matéria prima
para voltar a esculpir:
esse corpo  
onde as tuas pancadas
foram teatro na rua de breve quilate
visto-me
de organdi
para contracenar com as laudas
tortuosas que há na música
do teu sol e dó:

agreste é a noite que me veste

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014